À espera de um lar: número de adoções cai quase 70% na Bahia em 2020

A pandemia do novo coronavírus afetou em cheio o número de adoções na Bahia. Segundo dados do Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA), a queda foi de quase 70% em relação ao ano passado. Em 2020, apenas 18 crianças baianas foram adotadas, contra 58, em 2019. O SNA ainda revela outro dado inquietante: dos 854 pequenos e jovens acolhidos no território baiano, apenas 28 estão disponíveis para serem recebidos em um lar.

O motivo é que muitos deles ainda têm vínculo com a família biológica, o que impede, legalmente, que entrem no cadastro nacional para conseguirem uma nova família. Com isso, o atraso na adoção - também por conta do perfil restrito desejado pelos pais adotivos - deixa crianças em casas de acolhimento por muito mais tempo do que o permitido pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), que é de até um ano e meio.

De acordo com o desembargador Emílio Salomão Resedá, chefe da Coordenadoria da Infância e Juventude (CIJ) do Poder Judiciário da Bahia (PJBA), existem jovens que estão em abrigos há 10 anos. Essa realidade foi descoberta durante a pandemia, segundo Resedá, através do projeto interinstitucional 'Proteção em Rede: Um Pacto pela Infância', em parceria com o Ministério Público e a Defensoria Pública.

"Estamos levantando a situação de cada criança e essa postura tem descortinado situações um tanto quanto preocupantes. A realidade é que crianças e adolescentes estão passando seis, dez anos na instituição e isso não pode ocorrer. A lei estabelece que o prazo máximo é de um ano e meio", constata o desembargador.

O intuito do projeto, que já fez o levantamento com 16 das 276 comarcas na Bahia, é justamente acelerar essas negociações através da desvinculação da criança com a família biológica para que ela fique disponível para adoção.

"O projeto tem injetado um ânimo maior no colega para que essa situação se resolva, abrindo possibilidades, porque são vidas que estão nos abrigos esquecidas, muitas vezes porque os juízes estão sobrecarregados e eles têm que obedecer orientações legais", afirma Resedá.

Segundo ele, há diversas situações nesse contexto. "Às vezes, os casais estão presos, ou houve uma situação de divórcio, ações de despejo e há uma demora na desvinculação com a família biológica. Então, a criança vai ficando no abrigo e gera uma situação de quase uma geração perdida. A gente espera que essas 854 crianças tenham os destinos definidos", completa.

Perfil restritivo

A demora no processo de adoção se dá, muitas vezes, pelo perfil restrito desejado pela família adotante. Segundo dados do SNA, a preferência dos 1.298 pretendentes que existem na Bahia é por crianças de até dois anos de idade, do sexo feminino, sem irmãos, sem deficiência física ou intelectual e sem doença infectocontagiosa. No que tange à cor da pele, a maioria (44, 5%) não tem preferência. Porém, 24,8% afirmam quererem crianças pardas e 17,2% crianças brancas. No caso das pretas, elas são desejadas por 6,8% dos pretendentes. Em quinto lugar, estão as amarelas (3,6%), e, por último, as indígenas (2,6%).

Para o desembargador, apesar da preferência da família ter de ser respeitada, é preciso que haja uma conscientização pela mudança do perfil. "É natural respeitar a vontade dos adotantes, mas temos que lembrar que o amor é incondicional, ele não tem balizas etárias, de número de irmãos ou de doença. Quando há o despertar do sentimento, ele se concretiza em qualquer condição. E essa preferência tem causado a retenção de vidas nas instituições de acolhimento. As pessoas só querem adotar crianças mais novas. Quando passa de quatro anos, as possibilidades de inserção em uma família vão se fechando. Não é a adoção que demora, o problema é que as crianças em condições para adoção têm uma idade maior", explica o coordenador da CIJ.

Ele enfatiza que quem quiser adotar crianças com alguma deficiência ou com irmãos ou as mais velhas, tem preferência no cadastro e o processo é mais rápido. No Brasil, são 5 mil crianças disponíveis para serem adotadas e 35 mil pretendentes. Esse hiato se explica pelo grande número de pessoas que preferem crianças mais novas e que não estão disponíveis no SNA. Se o perfil fosse mais abrangente, todos os jovens teriam uma família, ao invés de estarem em casas de abrigo.

Pandemia interrompe curso preparatório e visitas da assistência social

Durante a pandemia, houve a interrupção de parte destes serviços ofertados pela Justiça, o que afetou o número de adoções e mais crianças ficaram nas casas de acolhimento. Mesmo que o expediente do TJ-BA tenha continuado por teletrabalho, algumas etapas para que se consiga a habilitação para adotar só voltaram a ser disponibilizadas recentemente. O curso preparatório para adoção, que é obrigatório para estar habilitado, ainda está em processo de transferência para a modalidade virtual. Sem ele, a enfermeira Denise Silva, 30, não conseguiu avançar no processo, assim como o marido de Karine.

"Com a pandemia, [o processo] ficou mais lento, porque a assistência social e as entrevistas deram uma parada. O curso preparatório também, que era presencial, eles acabaram colocando online, mas ainda estão montando o curso. Então está meio suspenso, algumas informações é difícil conseguir por telefone, mas por e-mail está mais fácil, conseguem responder", conta Denise.

Casada com um pastor, ela entrou com o pedido em abril deste ano e ainda não conseguiu fazer o curso com o marido. Mãe de um filho biológico de dois anos, a enfermeira conta que sempre teve vontade de adotar: "Já tinha isso no coração há muito tempo".

Como já tem um menino, ela deseja adotar uma menina, entre três e cinco anos, para que tenha a mesma idade que ele. "Baseado na minha experiência, como trabalhei muitos anos em instituição de acolhimento, observei como é importante que o filho biológico, a primeira criança, tenha esse lugar de filho mais velho da família. E pela idade mesmo, seria melhor e daríamos mais conta se tivéssemos um filho com idades parecidas", completa Denise.

A fim de promover, simplificar e incentivar o processo a adoção, a enfermeira fundou, em 2016, o projeto Fale Por Mim (@falepormim_), grupo de apoio à adoção que acompanha hoje cerca de 70 famílias que estão na fila por diferentes períodos de tempo.

Quem pode adotar?

Na adoção nacional, podem adotar brasileiros ou estrangeiros residentes no Brasil. Já na adoção internacional, brasileiros ou estrangeiros residentes no exterior. O pretendente precisa ter 18 anos, respeitada a diferença de 16 anos entre a pessoa que deseja adotar e a criança ou adolescente a ser adotado. Não há restrição quanto ao estado civil, ou seja, se é casado, viúvo, vive em união estável, solteiro ou divorciado. Casais homoafetivos não estão previstos na legislação pertinente, mas há jurisprudência (decisões de juízes) em favor de pedidos, nesta situação.

O que fazer?

O interessado deve procurar a Vara de Infância e da Juventude do município/região de residência, onde deverá apresentar os documentos listados abaixo, em originais e cópias:
Documento de Identidade;
CPF (Cadastro de Pessoa Física);
Certidão de casamento ou de nascimento, se solteiro, ambos de expedição recente;
Comprovante de residência (conta de água, luz, telefone etc);
Comprovante de rendimentos ou documento comprobatório equivalente;
Atestado ou declaração médica de sanidade física e mental;
Fotografia do(s) pretendente(s);
Atestado de antecedentes criminais

Etapas
1 - Procurar a Vara da Infância e Juventude da sua cidade/região
2 - Dar entrada com uma petição para dar início ao processo. Sendo apto, a pessoa será cadastrada e deve aguardar chamamento da vara para conhecer a criança, e, se for o caso, dar início à ação de adoção
3 - Fazer um curso de preparação psicossocial e jurídica para a adoção
4 - A partir do laudo da equipe técnica e do parecer emitido pelo MP, o juiz dará a sentença. Com o pedido acolhido, o nome será inserido no Sistema Nacional de Adoção e Acolhimento (SNA)
5 - Na fila, é preciso aguardar para encontrar uma criança com o perfil compatível. Se houver interesse, ambos serão avisados. A criança será entrevistada após o encontro para dizer se quer ou não continuar com o processo
6 - O estágio de convivência é iniciado, para que a criança e o adotante se aproximem. Se o relacionamento correr bem, a criança é liberada e o pretendente ajuizará a adoção. O juiz profere a sentença e determina a lavratura do novo registro de nascimento.

- Perfil da criança desejada pelos 1.298 pretendentes da Bahia (fonte: SNA)

Qualquer etnia - 44,5%
Parda - 24,8%
Branca - 17,2%
Preta - 6,8%
Amarela - 3,6%
Indígena - 2,6%

Até 2 anos - 462
até 4 anos - 380
até 6 anos - 286
até 8 anos - 81
até 10 anos - 35
até 12 anos- 21
até 14 anos - 15
ate 16 anos - 2
acima de 16 anos - 16

Gênero
qualquer um - 54,4%
feminino - 33,9%
masculino - 11,7%

Por quantidade
67,3% - 1 criança
29,9% - 2 crianças
2,8% - acima de duas crianças

Por doença infectocontagiosa
90,6% - não
9,4% - sim

Por deficiência
90,3% - sem deficiência
6,5% - aceita deficiência física e intelectual
2,5% - deficiência física

- Crianças disponíveis para adoção (fonte: SNA)
67,5% - parda
13,9% preta
9,3% - não informado
7,3% - branca
2,0% - amarela

57,6% masculino
42,4% feminino

98% sem doença infectocontagiosa
2% com doença infectocontagiosa

84,1% - sem deficiência
11,9% - deficiência intelectual
2,6% - deficiência física e intelectual
1,3% - deficiência física

até 3 anos - 18
de 3 a 6 anos - 22
de 6 a 9 anos - 20
de 9 a 12 - 34
de 12 a 15 anos - 24
maior de 15 anos - 32

sem irmão - 96
um irmão - 26
dois irmãos - 11
tres irmãos - 11
mais de 3 irmãos - 7

- Perfil da criança adotada em 2020 (fonte: SNA)
55,6% feminino
61,1% pardo
sem doença infectocontagiosa
sem deficiência
sem problemas de saúde

5 crianças - tinham até 3 anos
3 crianças - tinham entre 3 e 6 anos
6 crianças - tinham entre 6 e 9 anos
1 crianças - tinha entre entre 9 e 12 anos
3 crianças - tinham entre 12 e 15 anos

11 crianças não tinham irmãos, 5 tinham 2 irmãos, 2 tinham 1 irmão

- Perfil da criança adotada em 2019 (fonte: SNA)
44,8% parda
41,4% etnia não informada
6,9% branca
3,4% amarela
3,4% preta

58,6% masculino
41,4% feminino

Nenhuma criança tinha deficiência, problemas de saúde ou doença infectocontagiosa

14 crianças - tinham até 3 anos
11 crianças - tinham de 3 a 6 anos
13 crianças - tinham de 6 a 9 anos
9 crianças - tinham de 9 a 12 anos
9 crianças - tinham de 12 a 15 anos
2 crianças - tinham maior de 15 anos

42 crianças não tinham irmãos, 6 tinham mais de 3 irmãos, 5 tinham 2 irmãos, 3 tinham 1 irmão e 2 tinham 3 irmãos.